STAN DOUGLAS
INTERREGNUM
Museu Berardo
Praça do Império - Lisboa
21/10/2015 - 14/02/2016
A exposição Interregnum reúne três trabalhos recentes de Stan Douglas que se relacionam com um mesmo período histórico em que diferentes expectativas universalistas e multiculturais de transformação do mundo emergem. A história recente de Portugal, com a revolução de 25 de abril de 1974 e o final do colonialismo, tem uma presença significativa nestes trabalhos, bem como outras manifestações culturais, nomeadamente o jazz-rock, funk, disco e o afrobeat. Em todas estas realidades distintas é notória a revelação de um projeto de emancipação política e multicultural então sonhado, mas ao qual novas configurações de poderes se vieram sobrepor.
Disco Angola (2012) e Luanda-Kinshasa (2013) foram realizados no decurso da investigação de Stan Douglas em torno da transformação da realidade portuguesa na década de 1970, investigação essa que deu origem a The Secret Agent (2015), aqui em estreia. Testemunhos associados aos factos referenciados, a respetiva reflexão historiográfica ou artística, a par de um vasto material documental, constituíram as principais fontes para as ficções que estes trabalhos apresentam. Uma assumida proximidade entre a massa documental e a correspondente reencenação constitui, nesta exposição, um modo de conhecimento do mundo e das suas sensibilidades, que neste interregno histórico se tornaram possíveis. Observadas hoje, da perspetiva de um mundo globalizado, não deixam de suscitar as mais inquietantes interrogações sobre o nosso presente.
— Pedro Lapa, diretor artístico e curador da exposição
Em 2008 Stan Douglas foi convidado a desenvolver um trabalho inédito relacionado com Lisboa. A adaptação da ação da novela de The Secret Agent, de Joseph Conrad, onde o policial e o político se relacionam, transpondo-a para a situação posterior à revolução de 25 de abril de 1974, em Portugal, foi o contexto histórico escolhido. Stan Douglas filmou The Secret Agent em Lisboa, em fevereiro e março de 2015, com um amplo elenco de atores portugueses.
O ano de 1975, com o designado PREC (Processo Revolucionário em Curso), constituiu para sociedade portuguesa um momento fora dos eixos da história, ainda em plena Guerra Fria, com as suas fronteiras geopolíticas definidas. Múltiplas conjeturas à volta do curso da revolução entraram então em jogo, dentro e fora do país. É precisamente sobre a suspensão das condicionantes históricas aberta pela Revolução dos Cravos, e das subsequentes tentativas de apropriação daquele momento de transformação e suspensão, que o enredo se debruça para interrogar os limites das pretensões políticas e dar a pensar uma política por vir.
Esta longa-metragem, apresentada em seis ecrãs, provoca a imersão profunda do espectador, fazendo-o ao mesmo tempo acreditar que controla o curso da ação, já que lhe dá acesso ao que vai ocorrendo no filme e que ultrapassa as perspetivas dos seus protagonistas. Todavia, esses ângulos alternativos revelam-se insignificantes, e a proliferação de imagens em diferentes ecrãs acaba por criar um desconforto, que aumenta e coloca o espectador numa continuada sensação de perda de controlo sobre o filme, tal como acontece com os protagonistas relativamente à revolução e ao andamento dos acontecimentos.
Em Disco Angola (2012) encontramos duas séries de fotografias aparentemente distintas. O que as une é uma personagem fictícia, um repórter norte-americano que se encontra a estudar uma realidade emergente em Nova Iorque e é chamado a relatar outra em Angola. Assim, uma destas séries reporta a emergência do disco sound na metrópole norte-americana, enquanto momento de fusão de culturas distintas, que dá curso a uma utopia multicultural, em breve transformada em simples mercadoria; a outra, por sua vez, atende ao fim do colonialismo português em Angola e ao consequente início da guerra civil, organizada pelos poderes da Guerra Fria, infiltrados nos movimentos de libertação, e que pôs fim às expectativas criadas. No entrelaçado de ambas as séries revelam-se a suspensão, a utopia e a afirmação de uma nova ordem global.
Luanda-Kinshasa (2013) consiste numa vídeo-projeção que apresenta uma banda de jazz de fusão, combinando free-jazz, rock, funk e afrobeat, a gravar nos famosos estúdios da Columbia Records, conhecidos como The Church. A situação passa-se no início da década de 1970, quando Miles Davis, cuja sombra paira aqui sobre a música, deu início a uma fusão de novas linguagens, como a eletrónica, o rock ou o funk, com o jazz. A música que estes músicos-atores vão produzindo parece dar então continuidade ao projeto e ainda acrescentar novas fusões, cuja referência principal é o afrobeat de Manu Dibango. De facto, tal não se verificou com Miles Davis, embora tivesse sido possível e sustentável através do projeto de crescente universalismo que animou a sua demanda musical, como animou a de Dibango.
A banda toca duas músicas e, cada vez que estas são repetidas no vídeo, a ordem dos segmentos fílmicos e musicais é recombinada aleatoriamente – portanto, o próprio dispositivo computorizado, que transmite o filme, participa diretamente na composição da música da mesma forma aleatória e livre que deu origem ao jazz deste período, também ele parte dessa utopia de um diálogo universalista.
INTERREGNUM
Museu Berardo
Praça do Império - Lisboa
21/10/2015 - 14/02/2016
A exposição Interregnum reúne três trabalhos recentes de Stan Douglas que se relacionam com um mesmo período histórico em que diferentes expectativas universalistas e multiculturais de transformação do mundo emergem. A história recente de Portugal, com a revolução de 25 de abril de 1974 e o final do colonialismo, tem uma presença significativa nestes trabalhos, bem como outras manifestações culturais, nomeadamente o jazz-rock, funk, disco e o afrobeat. Em todas estas realidades distintas é notória a revelação de um projeto de emancipação política e multicultural então sonhado, mas ao qual novas configurações de poderes se vieram sobrepor.
Disco Angola (2012) e Luanda-Kinshasa (2013) foram realizados no decurso da investigação de Stan Douglas em torno da transformação da realidade portuguesa na década de 1970, investigação essa que deu origem a The Secret Agent (2015), aqui em estreia. Testemunhos associados aos factos referenciados, a respetiva reflexão historiográfica ou artística, a par de um vasto material documental, constituíram as principais fontes para as ficções que estes trabalhos apresentam. Uma assumida proximidade entre a massa documental e a correspondente reencenação constitui, nesta exposição, um modo de conhecimento do mundo e das suas sensibilidades, que neste interregno histórico se tornaram possíveis. Observadas hoje, da perspetiva de um mundo globalizado, não deixam de suscitar as mais inquietantes interrogações sobre o nosso presente.
— Pedro Lapa, diretor artístico e curador da exposição
Em 2008 Stan Douglas foi convidado a desenvolver um trabalho inédito relacionado com Lisboa. A adaptação da ação da novela de The Secret Agent, de Joseph Conrad, onde o policial e o político se relacionam, transpondo-a para a situação posterior à revolução de 25 de abril de 1974, em Portugal, foi o contexto histórico escolhido. Stan Douglas filmou The Secret Agent em Lisboa, em fevereiro e março de 2015, com um amplo elenco de atores portugueses.
O ano de 1975, com o designado PREC (Processo Revolucionário em Curso), constituiu para sociedade portuguesa um momento fora dos eixos da história, ainda em plena Guerra Fria, com as suas fronteiras geopolíticas definidas. Múltiplas conjeturas à volta do curso da revolução entraram então em jogo, dentro e fora do país. É precisamente sobre a suspensão das condicionantes históricas aberta pela Revolução dos Cravos, e das subsequentes tentativas de apropriação daquele momento de transformação e suspensão, que o enredo se debruça para interrogar os limites das pretensões políticas e dar a pensar uma política por vir.
Esta longa-metragem, apresentada em seis ecrãs, provoca a imersão profunda do espectador, fazendo-o ao mesmo tempo acreditar que controla o curso da ação, já que lhe dá acesso ao que vai ocorrendo no filme e que ultrapassa as perspetivas dos seus protagonistas. Todavia, esses ângulos alternativos revelam-se insignificantes, e a proliferação de imagens em diferentes ecrãs acaba por criar um desconforto, que aumenta e coloca o espectador numa continuada sensação de perda de controlo sobre o filme, tal como acontece com os protagonistas relativamente à revolução e ao andamento dos acontecimentos.
Em Disco Angola (2012) encontramos duas séries de fotografias aparentemente distintas. O que as une é uma personagem fictícia, um repórter norte-americano que se encontra a estudar uma realidade emergente em Nova Iorque e é chamado a relatar outra em Angola. Assim, uma destas séries reporta a emergência do disco sound na metrópole norte-americana, enquanto momento de fusão de culturas distintas, que dá curso a uma utopia multicultural, em breve transformada em simples mercadoria; a outra, por sua vez, atende ao fim do colonialismo português em Angola e ao consequente início da guerra civil, organizada pelos poderes da Guerra Fria, infiltrados nos movimentos de libertação, e que pôs fim às expectativas criadas. No entrelaçado de ambas as séries revelam-se a suspensão, a utopia e a afirmação de uma nova ordem global.
Luanda-Kinshasa (2013) consiste numa vídeo-projeção que apresenta uma banda de jazz de fusão, combinando free-jazz, rock, funk e afrobeat, a gravar nos famosos estúdios da Columbia Records, conhecidos como The Church. A situação passa-se no início da década de 1970, quando Miles Davis, cuja sombra paira aqui sobre a música, deu início a uma fusão de novas linguagens, como a eletrónica, o rock ou o funk, com o jazz. A música que estes músicos-atores vão produzindo parece dar então continuidade ao projeto e ainda acrescentar novas fusões, cuja referência principal é o afrobeat de Manu Dibango. De facto, tal não se verificou com Miles Davis, embora tivesse sido possível e sustentável através do projeto de crescente universalismo que animou a sua demanda musical, como animou a de Dibango.
A banda toca duas músicas e, cada vez que estas são repetidas no vídeo, a ordem dos segmentos fílmicos e musicais é recombinada aleatoriamente – portanto, o próprio dispositivo computorizado, que transmite o filme, participa diretamente na composição da música da mesma forma aleatória e livre que deu origem ao jazz deste período, também ele parte dessa utopia de um diálogo universalista.